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A escrita sempre foi fiel. Os episódios aqui encontrados são batizados de Escarros pois os mesmos são expurgos íntimos e partos divinos diferencialmente temperados pelos versos e circunstâncias que os compõem. Muitas vezes escorrem coisas a todo o tempo sem controle, disso tiro a lição e arte que se eterniza, mesmo que a poucos olhos. O valor é da existência. -Se fosse objeto seria polaroid, cuspiria poesia.

segunda-feira, 22 de julho de 2019

DEVANEIO DE OLGA: HÁ LUZ FORA DA CAVERNA






Falo para fora, escrevo mesmo é para dentro. 

As cortinas outrora azuis balançavam, o frescor do vento chegava em minha pele sem pedir licença, sei, aprendi pouco a manter descrições imunes. Não  tem como falar de uma coisa sem mencionar as sensações da coisa. Ainda te vejo de costas, desembalando a carteira de cigarro,  atento aos carros e inclinando tua mão esquerda pra me puxar. Esquecia-te que eu era a canhota. Jurei sentir ódio de ti muitas vezes. Não consegui em nenhuma delas. O tapa na cara foi forte, admito. Talvez eu precisasse acordar. Muitas vezes acordo e tenho a sensação de inverdade, não de inconformismo, mas uma sensação que de tão distante da realidade se torna absurda. És tu absurdo. Quase que te nomeio de outra coisa. Não pareces o que aparentava ser. Assim são as criaturas humanas, quase nunca são o que aparentam. Pensei estar equivocada o tempo inteiro. Eu nunca estive.  O eremita sem rosto que aparece na hora turva ainda tem voz dentro de mim. Sou toda ouvidos quando o tato morre. Cabeça é gaveta. Mente é aroma. Não consigo ainda te perdoar, mas consigo te arremessar bem longe e sei, reúnes todas as forças afim de matar a culpa na tentativa de ser feliz. Que culpa tens, logo tu, de apostar em voltar a superfície? Tens sorte, por aqui não há botes. Desconfiei de quando estava a me afogar, passaram dois ou três, deixei passar. Tenho eu essa mania infame de engolir muita água. Gosto de cuspir depois. Sozinha. Entre garrafas e manhãs de língua amarga. Entre lampejos de conexão com o oculto e a eterna busca por respostas. Criança. A criança ainda está aqui. Mais curiosa do que triste. Espelho é bom e fala. Poderia ser o meu lugar. Eu poderia tomar tais medidas. Embora eu honre os advérbios que eu pronuncie durante a jornada, admito. Sou cheia de pedaços reconstruídos. Há quem pronuncie Fênix, rio. Lembro de Luis: És flor de mangue, suportas as torrenciais enquanto vê a tempestade. Quero  acreditar que eu  também seria capaz de tal relapso. Olho as cartas e muitas vezes desejei rasgá-las. Não. Deixo que participe da biografia íntima e imortal. Gosto de saber que tu me destes o golpe fatal que transformou o antes e o agora em duas especificidades. Minha vida foi divida em dois momentos. Quase enlouqueci. Oito meses se passaram e oito meses se passarão. Nunca acreditei em destino, mas, acredito, carma tem. Olho as cortinas hoje e recordo as direções do vento. Mente sob matéria. E no entanto é tão fácil ser arrastado. Tu foste arrastado por ventos duros de assustar quem está em casa só. Maldita é a minha língua, admito. Ando muito admitida, confessiva. Malditas também foram tuas ações e nem por isso há ódio. Invento palavras mas todos sabem, não invento histórias, é difícil literar para crianças. Não tenho tanta criatividade. Tenho os olhos machucados e tenho visto inescrupulosos atos de busca de felicidade. Estão todos urgentes de fechar as feridas em si, não importam quais serão abertas no outro. Queria compreender a tua audácia de entrar e sair colocando uma pedra para que ninguém mais passe. Ouço o velho eremita novamente e quase suplico: Deixe que passem! Parece não existir ninguém além de mim num oco dentro de um oco maior ainda. Tento a todo custo remover a pedra que tu colocastes tão facilmente antes de deslumbrar-se na estrada. Essa pedra que é tua, tu sabes o jeito de tirar. Não importa quão força eu tenha. Ela conhece teus dedos e o teu querer. Ouço vozes que querem ajudar. Muitas vezes perguntam se estou bem, se há distrações aqui dentro. Acabo rindo. O velho olha na minha cara e ri também, somos os dois tramando dia e noite. Acho divertido ter os olhos em cima dos meus. Ando vagarosa e de urgências só surgem as mínimas vontades de fala. Incontáveis são os nomes que tentam inutilmente remover a pedra. Não sabem que a total liberdade em estar perdida no oco do oco me fere ao mesmo me alucina. Não quis lidar com nada além da dor. E além do mais, sou levada a remover pesos sempre que há magia. Tenho os olhos úmidos. Estou velha e impaciente por dentro. Desejo que todos passem, embora eu brinque durante a estadia de cada um. Sempre que consigo sonhar o velho me bota de frente contigo. Tua boca ri, mas teus olhos se perdem cada vez mais. E sabes disso. Desafia tuas próprias leis. Leis que nunca foram criadas por ninguém. O paraíso só tem poder pela existência do inferno, licença poética concedida. Acreditas que existem barreiras a ultrapassar e mil coisas a conquistar.  Também acredito. Minhas barreiras no caso são as de dentro. Minhas conquistas estão dentro de uma rede no domingo de manhã. Meu sossego é visceral. Pusera-me na roda da liberdade e desde então sei muito mais o que não sou do que o que desejo ser. A noite é laboratório. As línguas e todos os seus códigos são meus experimentos. Do muito que me oferecem, rio de quase tudo. Longe de ser presunçosa me derreto com o acesso e o contexto e compreendo: é fácil ser encantada. Quando compreendo tudo parece estar sem respostas, porque as perguntas desaparecem. É assim porque é. As perspectivas, de dois corpos que já estiveram conectados profundamente, ainda é diferente. Ser livre é não aceitar tudo. Sei que a pedra conhece teus dedos, mas teus dedos não são os únicos. Meu quadril largo é acostumado com espessuras. Descubro e comparo forças. No fundo eu gosto de ter morrido. Nem pretendo juntar os meus pedaços. Quero mesmo é experimentar todos os cortes e fazer dos dedos objetos de sutura. De tudo que foi enterrado no silêncio, sobrevivo pela retórica intenção. 

terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

DEVANEIO DE OLGA: QUANDO O BOLOR INVADIU A CASA.




Concluo que o declínio não tem o gosto gentil de ser amargo. Meu amigo partiu há dois anos em uma navegação que muito me parecia segura, e era. Ao encontrar seus pertences pela casa abstenho-me da visão. Vejo a roupa pendurada e, apesar do abandono, não consigo usá-la como pano de chão. Dizem-me as bocas aquáticas que o afago perdido mais fere que a liberdade sem resposta. O silencio ensurdece, sim, meu amigo. Quando não falas, cospe nos ponteiros, penetra-os em minha face como imortal, deixando-me a revolta da ingenuidade. Certa noite tive um pesadelo, segurei tua mão e beijei teus olhos, olhos insones, olhos de fome.Volto a varanda e admiro o alaranjado. Não és mistério, por mais que a boca que vos tenha falado seja doce, não és. És a tempestade prevista por mil raios soltos durante a estrada, eu que não vi. Acreditem no que quiserem. 
Meu corpo é velado pela lua e pelo sol. Ninguém sente a morte além do que tem os sonhos asfixiados e os carinhos jorrados numa fonte qualquer pelas bandas do centro, onde tem um samba iluminado por um clarão amarelo, deixando as peles bonitas. Volto a sentir a maldita sensação no nariz. Arde. Repouso a xícara e num rebobinar mental principio falha nos nervos. A mágoa corre solta no coração. Assim começo, pelo fim, pelo início tem graça mais não. Conceber a ideia da desesperança por consequência de uma cegueira insólita me arremata. 
Há em qualquer lugar  magia, na superfície a magia é gostosa, admito. Gosto da magia de sentir quenturas nas narinas, fricções na pele, olhos que se fundem na certeza do enlace para suportar a correnteza desta vida. És nó frágil que se quebra num sopro de deslumbre, deslumbras tudo. Faça como os grandes homens, enfie a estaca mor do esquecimento e deixe os escombros para os raios que me partam em mil. A certeza é de que o bolor invade a casa ao mesmo passo que as mãos me salvam. Vinte e um anjos percorrem meu corpo e com todo o o cuidado mostram-me a vida, o céu, ainda que minhas pernas estejam apodrecendo e o coração pareça um grande coágulo a me arrematar...Como pode o meu amigo fazer da navegação estaca para furar-me o estomago e os olhos clamando por vida? Que fique claro, cristalino, chamei meu amigo como o cachorro que chama o dono com os olhos na estrada. 
Os animais sempre sabem quando são abandonados, os olhos tornam-se opacos e vazios. Deixo claro também que todos temos desequilíbrios e tentei até o fim buscar cura sem afundar quaisquer seres outros.  Desencantei da morte quando recebi a primeira carta do meu amigo. Ri de alaranjar os beiços e soltar os quadris. A segunda carta do meu amigo vinha no formato de um memorando, com muita diplomacia enfiando a lamina nas minhas entranhas. Perambulei pelas ruas em vertigens e sons. O cheiro é mesmo uma coisa maldita. Percebo carinho por esta palavra. O som da palavra é o que de mais fundo tocara a minha alma. Desesperei-me por curas fulgazes até que recebi outra carta. 
Meu amigo escrevia cartas demais porque na verdade não sabia agir. As palavras só sustentam os gozos. Li a carta e vislumbrei, meu amigo certamente voltaria. Mantive as xícaras enfileiradas, as listradas que comprei numa dessas lojas sem nome perto da nossa casa. Não eram anônimas, todos os que por aqui passaram sabiam de quem eram. Eram. Verbalizar dói. Resolvi responder então as cartas, resolvi crer que o meu amigo voltaria e que o naufrágio é para navegações defeituosas, no seu caso a navegação era uma fortaleza, eu ria por demais tomando vinho no convés enquanto meu amigo fumava um Camel. Quando fiquei em terra firme não pude mais acompanha-lo e embora ninguém fosse substituível, todas as companhias provocam uma sensação. Lancei uma carta desesperada ao meu amigo, pois a sobrevivência é filha da coragem e coragem tenho, mas tenho também o sangue quente e pressa de viver. Não obtive respostas.
 Muito demorou para que eu entendesse que o silencio é a resposta daqueles que não vão voltar porque, por debaixo dos panos, fazem tudo para nem ficar. Em quem irás despertar a pureza de juntar os queixos e olhar pro céu agora? Constato que felicidade tem prazo de validade e eu deveria ter decência em escrever sem arranhar a mesa. O atendente não há de notar os destroços que se alojaram aqui. Sou agora, mas só agora, um depósito de fotografias, Camel’s e golda matinal. Sou o depósito de todos os cadáveres alegres a quem respirei tanta alegria pelas ruas da cidade vazia. Só agora dou-me o direito ao declínio. Que o meu amigo aprenda com a morte das coisas lindas o que é a coragem de seguir quando o desejo é sincero. Agora vou me sentar e fumar este cigarro velho. 
Não se preocupem os amigos, me enojo de piedosos olhares. Sintam-se todos lisonjeados de compreender através do experimento vivo o que é deprimir-se na ausência de outrem, estou longe de incendiar as cartas do meu amigo e de saborear as lágrimas, que fiquem calmos e sigam o prumo. A cicatriz de pele fina é minha, estou lidando com o gosto dos desaparecimentos. Um a um, vão evaporando todas as imagens, é o que me dá raiva, uma raiva medonha. Almejo ter a capacidade do meu amigo de desembarcar em qualquer porto e logo embarcar em outro sem colecionar numa caixa de sapatos as coisinhas que doem mais. Preciso primeiro não bater em nenhuma quina. Tenho apenas um pedido, que se cansem de meus escritos, o coração do poeta só para de escrever sobre aquilo que lhe mata quando o coração experimenta o sublime outra vez ou quando todo o estalo de dor é inteiramente corroído.


domingo, 4 de novembro de 2018

DEVANEIO DE OLGA: Smiths na Jukebox e a metalinguagem multifacetada.







Tocava every days like Sunday na noite de ontem, eu, debruçada na jukebox, observava as cabeças e as bocas das cabeças, todas as bocas abertas esperando algo, naquela altura da música... digo... Deixe-me explicar... Há um momento em every days em que é possível sentir que  Morrissey está passando a mão em nossa cabeça, olhando-nos com olhos de piedade, indo embora. As pessoas que tem piedade geralmente vão embora. É algo muito ruim de sentir, piedade. Escrevo este ato de hoje de forma simples, não menos complexa, mas quero-me fazer compreendida a cada linha, sem espasmos desnecessários, sem arroubos metafóricos, sem repetições existenciais em fractais a serem decodificados para além da leitura, quero escrever como a suburbana que sou, conscientemente. O que digo aqui é que tento resgatar a prosa através da simplicidade, de muito livre que sou vou te confessar o que me fez ficar tanto tempo em silêncio, deixe-me pôr os óculos. 

...

Sempre os deixo há um raio de um metro de distância , hoje me distraí, tive que os encontrar ao pé da cama, que é há um metro da porta do banheiro, talvez eu esteja disciplinada, mesmo que dentro dos parâmetros que nem mesmo sei quais são. O que me fez ficar tanto tempo em silêncio foi ter me aprisionado a uma forma de escrita, eu não poderia começar algo sem que aquele algo se adapta-se a uma forma única, a forma da minha identidade, que tola eu sou de pensar que tenho uma, tenho meus pés, tenho minhas digitais, tenho os meus problemas de dicção, meus problemas estomacais e meus problemas de dentro da cabeça, mesmo assim, há de toda forma alguma igualdade entre todos nós: a morte, ou sorte? Estou fugindo do que realmente quero dizer, tenho o escapismo na minha aura. De bem simples, como os surdos enxergam demais e como os mudos são mais ágeis que eu, de muito simples te digo como funcionou, a minha metalinguagem insignificante desapareceu porque de qualquer forma, mesmo que não conseguisse escarrar, faria por bem à minha sanidade mental adiantar um cuspe que fosse, um cuspe que não chegasse ao chão e ficasse como um ioiô, resistindo à gravidade, cansei de receber e esperar as palavras ficarem prontas, de ficar ruminando... Talvez seja mentira, talvez eu tenha me forçado a abrir a porta das palavras ou foi a cerveja que bebi que me fez expurgar? Talvez, às 11:17 de um domingo em que o sol não transformara a minha janela em uma pintura de Dalí, ainda sinta os mesmos espasmos, além de calores infernais, antes de sempre. Talvez agora eles venham em formato de um agudo vocálico de Morrissey, num formato messiânico das representações de terceiro olho, diminuo o passo, quase adentro o fractal da escrita idiossincrática de antes, pois bem, por aqui me acabo com as peculiaridades da escrita de antes, acabo o que com alegria sei que não há de ter fim, continuo a escrita que me acordou hoje, a simples e clara. Odeio domingos, sempre odiei, domingo tem o gosto amargo no céu da minha boca, domingo me traz nostalgias e não há uma leve corrida que me faça fingir tão bem a fadiga que o domingo me causa, essa coisa de amarrar pés, essa sensação pós dexametazona, de paralisar, de correr na água. Acabo aqui o que depois de três meses tive medo:ter parado de escrever. Não me culpo e nem me aninho tanto, aprendi nesse meio tempo que devo deixar os verbos procederem ao caos. As  mortes, as mulheres e suas mortes, as histórias das mulheres e suas mortes me paralisaram. Os homens, a sua falta de sexo e as suas mortes, as mortes do seu sexo, a morte das suas cores e a morte da sua voz, me paralisaram, doze vezes entre as mil que já abrandei. As lembranças, as transas que não foram minhas e a fricção que não senti, tudo me mata, tudo me paralisa, é como engolir o domingo, é como amordaçar-me com o domingo enfiado na goela. Agora, no meio das sensações e das lembranas, olho minhas mãos, estou com os dedos enrugados de água, When you know it makes things hard for me? Morrissey ecoa na sala, ele e a certeza da minha também liberdade me assustam mais que as mágoas causadas pela bunda de Natália, o que uma mulher abandonada pelas palavras é capaz de fazer com os peitos só Vitor sabe. Saio da banheira, avisto os óculos na pia e devaneio até a sala enquanto Suedehead pronuncia o gran finale da minha imaginação.Domingos são sórdidos, eles te fazem lembrar de uma noite de sábado em que seu coração foi socado. Eu, debruçarei na juker box e vou observar não as bocas, as mãos falam bem mais, os olhos são os que comem.



domingo, 29 de julho de 2018

DEVANEIO DE OLGA: SOBRE DESORIENTAÇÕES.

Talvez a ilusão seja a prova mais concreta da realidade. A descoberta é o reconhecimento do instinto. As criaturas desejadas são realmente desejáveis? Me vejo entre cínicos e perturbo-me. Onde, onde a minha presunção vai me levar? Imploro por respostas outras. Como um jogo de xadrez arremato todos. Não sei jogar xadrez.   Dou-me direito ao ódio, dou-me direito ao castigo também. Canso de exaustar-me, é possível estar exausta de estar exausta? Na espera aprende-se o que diabos? Contenho-me. O mais esperto sobrevive, o mais esperto adapta-se. Há prisão pior de que aquela em que o inocente delata a si para salvar a pele dos lobos? Eu, que atendo o telefone quando toca, que fui talvez leviana em mergulhar em uma piscina sem água.Eu, que talvez tenha insonias e saiba porque a tenho. Eu,  que tenho tido problemas estomacais por conta de uns olhos, de um corpo tão distante, de um corpo de mulher. De um riso falso  que desperta nojo cada vez que compartilho o seu corpo através de outro.  Que alma aprisiona o corpo que me destruiu? Pera lá que não te entrego tudo, gosto de enfatizar a dor para que no auge da minha bondade eu não esqueça o que foi capaz. Eu, que sempre corri com os lobos e que muito silencio por medo de ausências. Eu, que a qualquer momento não me reconheço e tenho de pagar para voltar ao juízo perfeito. Eu, que há anos não precisava de pílulas até que tu, num maldito dia, chegou ao meu terreno. Eu, que ri quando me chamavam ''territorialista''. Eu, que tive tudo colonizado por teus malditos lábios, por tua pele fria, quente e desgraçadamente convertida em suor no meio das arquiteturas que te receberam às  escondidas.   Eu, que fui pisoteada quando entreguei o meu ouro. Quando dei minha confiança ao homem do porto. Eu, que julgo a mim como preciosa e a mim só resta a redenção do perdão, o ato heróico de perdoar. Eu, carrasca de mim. Eu, que acredito piamente nas palavras até que as ações sopram o vento. Eu, tão limitada e tão suja. Tão feia e vista de cima. Eu, tão socialmente inaceitável. Tão boba e mimada. Eu, que não sei o que se passa na mente dos homens e ajo como se sim. Eu, que me vejo agora como sou, dona de nada. Sem correções e desmedida. Eu, que tenho vontade de derramar  o choro que engulo todo dia. Qual o castigo merecedor para aquele que caminha junto e é apunhalado? Continuar a caminhar com as feridas abertas? Ser  amordaçado? Certamente. Esquecem-se de que não me adapto a dor alguma. Eu corro com os lobos. Sinto-me explosiva. Dinamite de mim. Desarma-me ou desama-me. Dou-te uma escolha para que se livre da força da lua. No melhor dos casos, imploro para que não cruze meu caminho, Sáenz.

domingo, 1 de julho de 2018

DEVANEIO DE OLGA: CONFISSÃO.




Era de arder os céus quando percebi entre arrochos urbanos o sufoco que me foi proposto. Indecente. Os olhos atravessavam semáforos e o silêncio invadia os ouvidos. Por onde devo ir? Puxei de meu bolso, minimamente furado, uma bússola estraçalhada pelos corpos muitos que agoniaram-me no trajeto até aqui. Avistei sóis e um barco. Eu avistei a imagem do silêncio e profundamente chorei. Às seis da tarde, entre a melancia e a tabacaria existe um momento em que o caos aumenta. Subi numa espécie de meio fio e lá me dispus a ficar. Um minuto. Eu precisava de um minuto para sentir o clima. Ah, me sinto exausta. Sei que há cura mas o caminho ainda está nublado. Entre os meus dedos não existem outros dedos. Ter mãos vazias é algo quase normal, ter mãos abandonadas...Eu sinto em extremos espasmos, visões hipotéticas. Agudos espaços invadem as horas úteis do relógio urbano, ter uma horta e poucos vestidos talvez me tornasse menos tola. Meu corpo é tolhido pela movimentação óbvia da gente grande. O homem da quitanda causa asco e cumprimenta o pai. Para onde vão os sonhos das crianças? Há o sótão de coisas vãs lotadas em cada meio fio que serve de calçada para as cabeças que sentem frio. As cabeças tremem. Onde há cura na agenda lotada? Onde há possiblidade de cura em uma correria incessante de tornar-se aquilo que não se é. Quero me ter de volta. Quero entregar tudo nas mãos de quem almeja essa vida que o meu corpo não pede, que já é alheia ao meu corpo que já padece em escolhas vis. Quero entrar na viela colorida de dona Ângela, quero poder sorrir para as crianças, quero estar em meu silêncio, ausente de sirenes e carros e corpos insinuantes que jogam meu coração na boca dos tigres. Quero aquietar os ratos barulhentos que passeiam em meu travesseiro, preciso estar viva para as águas, preciso estar viva para erguer as mãos aos céus e num choro de conexão receber a lua,  preciso me curar da selva, preciso perceber o amor escondido na agonia da manada. Os búfalos de terno trituram meus sonhos. Eu estou tão cansada, preciso tirar as botas.


Ilustração: Meninasombra.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

DEVANEIO DE OLGA: CARTA PARA TI







Eu sei que estás aí e se ainda não, vais vir. 

É de vocativos que anunciam as noites escuras e tortuosas da cidade pequena. Tua cidade não sacia ainda a tua vontade. Sei, mulher. A curiosidade aguça o risco da possibilidade, permita-me te olhar. Deixa-me observar e chega em mim a fim de chegar. Eu preciso te mostrar algo pois temo que tua sapiência para as coisas vãs te levem a resultados impostores. Resvalo o ódio pelos esgotos das ruas e ajudo o homem a trilhar o seu caminho, não me incluo no caminho, sou ele todo e meu. Percebe? A soberba já massacrou o meu ímpeto. Deixe que eu me explique. Tento não me repetir e sinto que estou a curtir desse episódio delongas demais, faço propositalmente para que esmiúce todo o resto. Todos que aqui estão são descuidados, vê? Os advérbios rondam teu corpo e tua aura. Não sou ninguém, nunca hei de ser. É que aprendi o sentido de dar a outra face. Quando, antes de ti, eu sabia de tudo o que seria capaz, rio, eu sou capaz de alcançar graças insones. Tua veste contemporânea e tua voz pouco rouca e baixa ainda estão passando pelo portão. Sei, estás de saída mas escuta e deixo que nunca mais me veja.  Dia desses na cadeira de balanço lembrei da vida antes de ti, o fractal estava em posição constante. O domínio te aflige? Não há mal nenhum em ter cautela, ouvi de um homem que tinha tristeza nos olhos e mãos firmes. Tua vivacidade não está resumida aos impulsos noturnos, muito mais que a riqueza dos dias novos, está o culto ao eterno.Os sortilégios alcançam aqueles que se lançam, importar-se com o outro é edificante, pequena.  De súbito morre o corpo e, para mim, já basta. Quero, pequena criatura, não ditar o que fazes de teus planos. Aprendi a achar o controle de meus passamentos quando desejo aniquilar o egoísmo humano. E continuo rindo quando devaneio em tal presunção. O que, na tua inocência sobre-humana, te fez pensar que eras maior que o que já habitava no mundo? Sei bem, és encantada pelo desconhecido, deslumbrada e insana. Nada é tão digno de perdão que tamanha ingenuidade. Talvez tu te demores muito a receber esta mensagem, talvez em minhas projeções astrais eu já tenha conseguido te dizer o que pareceu não carregar consigo: Protege o coração de outra mulher como tu proteges o teu.  A deusa continua visitando os meus sonhos e desconfio que seja um crime não reproduzir seus recados. Não serei injusto e pesar teus ombros. Céu não se ganha, não estou atrás de céu.  É que é bom andar à noite e ter liberdade cármica. Apelo para que tua passagem seja erguida sobre os pilares da consciência. Que é ser um homem? Que é ser uma mulher? Que é um Ser? Desromantizo as possibilidades. Corto as arestas da verdade e adapto-me. Aprendi com tua demolição casual que o mais sábio adapta-se e consegue sobreviver ao caos. Sigo latente de olhos fixos e te vejo, te vejo e sinto tua aura. Me parece agitada. O que te tornou alheia, baby? O que doeu não foi tua vontade de ir embora. Pra quê sair ás escondidas? Por  que usar da artimanha da ausência minha no teu projeto de felicidade?  Pensei que os ares da cidade grande te tornariam diplomática. Presumi errado, como quase tudo de ti. Dia desses me distraí e ao andar de cara para os vitrais quase não me reconheci. Ria muito de saber que um dia projetei em ti uma espécie de mim. Permita-me o benefício da dúvida. Certamente o que se alojou não foi o ego. Cada um de nós é um universo e Inácio falava com maestria sobre a culpa e a índole. Eu desejava não sentir culpa. Eu guerreava em abstinências de ti. Eu guerreava com os julgamentos e te defendia. Havia uma guerra no mesmo corpo. A mesma causa. Eu não posso te julgar e tampouco te defender. Que sou eu?  Perambulo entre as calçadas e vejo um homem, um homem igual a mim tecendo as tardes como eu faço, um homem observando os lábios finos e os voluptuosos. Antes de ir, saiba que o real é bonito. A realidade agora é observada por mim sob outra perspectiva. Não fosse tu... deu-me o presente da catarse. Sei que está cansada, o meu processo é deveras arrastado. Nada tenho a perdoar. Caminho com muito mais cuidado depois que teus olhos me lançaram facas certeiras de tão longe. Tens a mira boa, assumo. Não estás sozinha. O mundo ainda não é teu. Existem outros caminhos e de nada adianta trilhar um caminho deixando um corpo apodrecendo na estrada. Não há gozo na deslealdade mesmo que para com um transeunte que nada represente a ti. O poder dos homens revela a sua incapacidade de afetos com os desconhecidos. Vive-se na conveniência, bebe-se a aparência. A configuração exterior distrai os aflitos. Tenha para ti um espasmo que te dou de graça: O segredo está na direção em que a perna cruza, poupa-lhe o tempo e lança-te noutras águas. Nem de longe te falo aqui o que realmente quero; Estão a nos espionar. Me despeço sem ter querido pisar em teu coração. Sei que dói. Já fui mulher, eu sei.

sábado, 8 de julho de 2017

TADEU

A pior covardia de Arnaldo foi ter visto Olga nascendo, crescendo nos terrenos seus. Não existem mais nós. Alguma garganta sobrevive ao grito da falta?  O azulejo de voz mansa... vencer a vida? O ganhar no chegar teu não existiu, Manoel. Tem noção de que a vida tem sentido totalmente ridículo? Olga acende o último cigarro que Junior deixou por que era o jeito. Eu sabia que referencia era importante e naquele tempo, depois de tantos tempos na madrugada,Olga chorou. O beijo de outro lábio, o verbo desisitiu. Venceu a vida.